Pautas feministas atravessam escolha de temas, fontes e até escrita do texto, mostra oficina
A oficina "Pautas Feministas" mostrou a necessidade de se pensar o feminismo em todos os momentos de construção da notícia, desde a escolha dos temas e abordagens, passando pelas fontes, e chegando à apuração e à construção do texto. Nara Assis, jornalista integrante do Ciclo e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Poder da UFMT, foi uma das responsáveis pela oficina, junto da professora doutora do curso de Jornalismo da UFMT Tássia Becker.
Nara e Tássia integram também o Pauta Gênero, projeto de extensão da UFMT que promoveu a oficina voltada para jornalistas, estudantes de comunicação e outros profissionais que atuam na imprensa. Cerca de 40 pessoas de todas as regiões do Brasil passaram pela sala virtual durante a noite da última quarta-feira (6).

A atividade foi dividida em duas etapas: em uma primeira parte, Nara e Tássia apresentaram conceitos e procedimentos a serem adotados ao se falar de pautas que partem de uma abordagem feminista. Houve debate sobre a apresentação, e na segunda etapa participantes foram convidadas a elaborar uma pauta para o caderno de economia com os princípios apreendidos na oficina.
As pesquisadoras pontuaram que o feminismo trata da busca pela igualdade de gênero em questões sociais, jurídicas, políticas, entre outras, e que o gênero é uma construção social, com valores criados a partir de costumes que permeiam a sociedade, e não por aspectos fisiológicos.
"Existem discursos que focam nesse caráter essencialista do sujeito enquanto mulher e homem, esse sujeito heteronormativo. O movimento feminista começa a fazer essas críticas e se abrir para essas outras possibilidades de 'ser'", relatou Nara, citando autoras como Simone de Beauvoir, Judith Butler e Joan Scott.
Na oficina, as jornalistas destacaram a importância de se levar em consideração as interseccionalidades, para refletir sobre as pautas a partir dos diferentes sistemas de discriminação e opressão que existem na sociedade, com atravessamentos de gênero, raça, classe e outras possíveis.
A interseccionalidade é uma "ferramenta teórica e metodológica usada para pensar a inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cis-heteropatriarcado", lembrou Nara, mencionando a importância de Kimberlé Crenshaw, Patricia Hill Collins, Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Davis, bell hooks, entre outras referências sobre o tema.
A diferenciação entre pautas "femininas" e pautas "feministas" foi enfatizada na oficina. "Às vezes alguns temas vão ser voltados ao público feminino, mas vão acabar reproduzir estereótipos, colocar a mulher em posição de inferioridade em relação aos homens, seja na foto da matéria, na escolha de fontes, no modo como é abordado o tema e etc", lembrou Tássia.
Sobre a escolha do tema e da abordagem, registraram, é preciso incluir as mulheres em espaços públicos ocupados normalmente por homens, como economia, política, tecnologia, e ter atenção à reprodução de estereótipos em temas ligados "exclusivamente às mulheres", como "maternidade", volta às aulas, beleza, culinária, e outros tipicamente associadas ao gênero no jornalismo.

Também sublinharam a importância de pluralidade e diversidade das fontes, trazendo mulheres não só como personagens, mas também especialistas. Nara e Tássia apontaram para o cuidado de não trazer à pauta pessoas negras e LGBTIA+ para falar apenas sobre opressões ou reivindicações de direitos, os incluindo em outras questões em debate.
É preciso criar "redes de contatos e fontes que reflitam a audiência e representem melhor as comunidades". A dica foi o Banco de Fontes do Instituto Patrícia Galvão.
Com relação ao texto, não só no escrito, na oficina foi evidenciado que linguagem e imagens podem perpetuar estereótipos. Tássia questionou: É necessário identificar gênero, estado civil ou aparência? Isso tem relevância para o assunto? E referência a relações familiares? A professora problematizou a coisificação e a sexualização em matérias jornalísticas.
Os termos escolhidos para se referir às mulheres são importantes. Maternidade, por exemplo, pode ser substituído por pessoas que engravidam, ou "parturientes", a dependem da situação. "Pessoas que menstruam" pode incluir homens trans em matérias sobre pobreza menstrual. E tratando-se de pessoas trans, o uso dos pronomes e do nome social é essencial.
Para abordar violência de gênero, defenderam as jornalistas, é preciso evitar sensacionalismo e detalhes mórbidos, além de colocar dados em perspectiva com fontes estatísticas sobre mulheres como IBGE, Instituto Patrícia Galvão, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e outros.
Nara trouxe bons exemplos de matérias da Revista AzMina e da Folha de São Paulo, que continham problematizações nas matérias sobre as questões envolvendo mulheres e reprodução, e tratavam as personagens femininas de maneira digna enquanto profissionais.
Ao final, as participantes tiveram 10 minutos e apresentaram ideias de pautas econômicas que investigassem por que mulheres são mais atingidas pelo desemprego, o problema da insegurança alimentar em famílias chefiadas por mulheres negras, o empreendedorismo e suas múltiplas camadas para as mulheres, como a necessidade de empreender por falta de oportunidade nos mercados de trabalho, entre outras.